Quando a Emenda é Maior do que o Soneto
Primeiro, tentei escrever um amor inteiro, mas a urgência em curar o que ainda latejava fez o poema nascer torto, como quem começa um soneto sem saber se o último verso vai caber. Emendei abraços novos sobre rachaduras antigas, e cada sorriso colocado às pressas se soltava na primeira lágrima, mostrando que havia buracos demais para esconder.
Depois, outra costura: sombras que ficam, mesmo sem nome. Fazem vinco no papel, enrugam o verso no mesmo lugar, lembrando que algumas presenças não precisam ser citadas para continuarem conversando baixinho com a gente. E eu, fingindo não ouvir, apertava a linha da ansiedade, do medo, da vontade de ser amado e o fio se embolava como quem tenta esconder o que ainda sangra.
Desmanchei pontos. Reaprendi que amar não é costurar outra pessoa em mim para que ela pareça inteira. É aceitar que cicatrizes fazem parte do corte do tecido. Quando a emenda cresce mais do que o soneto, é sinal de que é hora de escrever outro poema, sem fita adesiva emocional para fingir calmaria em tempestade que eu mesmo chamava para perto.
A próxima emenda veio com leveza: amor que não tapa buracos, amor que deixa respirar. Amor que encaixa sem apertar, que não promete o que não cabe, que não tenta ser curativo para ferida que ainda está curando. Amor sereno, com dedos que sabem onde não tocar.
Outra linha, um ponto firme: estou vivo. Estou corajoso. Estou esperançoso. Meu peito segue como declaração, não como súplica. E descobri que o silêncio é terapêutico .... silêncio que costura por dentro, que devolve a dignidade, que fecha a porta para quem não sabe ficar. Antigos amores não merecem respostas quando o silêncio é a alta médica do coração.
Agora alinhavo leveza: conversas que não exigem, passos que não tremem, sopros de tranquilidade que finalmente têm espaço. Recolho sobras de linha, deixo que o vento leve o que cumpriu seu ciclo, e observo o tecido novo se formando.
E no último remendo : o que dá sentido ao soneto percebo que o poema continua porque eu continuo. Inteiro o bastante para não me apertar em ninguém. Se a vida pedir novos versos, que venham com cuidado, sem remendo maior do que o desejo de sentir. Porque quando o amor é bem-vindo, ele não vem para consertar falta: ele floresce no que sobrou.
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