Carta à Vida e a Quem Já Foi Amor: O Exercício do Chorar

Querida,

Hoje escrevo sem me esconder em entrelinhas, sem me curvar à dor que já me curvou por dentro. Escrevo porque estou vivo — mais do que antes, mais inteiro que ontem. E vivo também porque chorei. Muito. Chorei o que precisava sair. Chorei como quem lava a alma, como quem racha para deixar a luz entrar.

O choro, por tanto tempo visto como fraqueza, foi o meu exercício mais honesto de força. Nele, me desmontei. Nele, me vi nu diante de mim mesmo. E foi ali, nesse chão úmido de mim, que começou meu retorno. Um retorno para dentro. Um retorno para a vida.

A vida me desmontou em partes. E por muito tempo, eu acreditei que amar era me perder. Mas agora entendo: só posso reencontrar alguém — ou encontrar o novo — se antes eu me encontrar por completo. E é nesse caminho de volta pra mim que estou caminhando. Com passos firmes. Com olhos abertos. Com alma atenta.

Você foi tempo, fôlego, espelho. Com você, me vi frágil, às vezes pequeno. Mas também me vi possível. E é esse possível que estou regando — com as lágrimas que precisei deixar cair. Porque, hoje, sei: chorar também é cuidar. É ter coragem de sentir. E só sente quem está vivo.

Não fujo mais do que sinto, mas também não sou mais refém do que ficou mal resolvido. O choro me ensinou a não reter, a não carregar o que já não cabe. Me ensinou a respeitar os meus limites e a limpar o terreno do coração pra que algo novo possa florescer.

Escrevo agora com um coração mais calmo, mas não menos cheio. Uma saudade me acompanha, sim — mas é uma saudade que não pesa, que não me prende. Ela me empurra pra frente. Me ensina a cuidar melhor. A amar com mais presença, mais responsabilidade, mais verdade.

Não escrevo para cobrar retorno. Escrevo porque voltei pra mim. E talvez, nessa volta, eu acabe cruzando com você. Ou com outro alguém. Ou comigo, de novo. E tudo isso já é caminho.

Se for pra voltar, que seja com menos promessas e mais presença. Com menos passado e mais agora. Com olhos que enxergam com ternura, com gestos que não fujam do compromisso. E se não for pra voltar, ainda assim, obrigado. Porque foi nesse amor — e nas lágrimas que ele arrancou — que também aprendi a me amar.

Hoje, cuido de mim com firmeza. Reaprendi a escutar meu silêncio e acolher meu pranto. Porque amar alguém só é possível quando não se tem medo de se encontrar inteiro. Eu chorei por mim, por nós, pela vida — e sigo. Mais limpo. Mais leve. Mais claro.

O exercício do chorar me preparou para o exercício do amar.

Sigo. Com coragem. Com afeto. Com esperança.

E talvez — me encontrando — eu encontre você.

Com verdade,

O príncipe




Comentários

Postagens mais visitadas